- Espelho, espelho meu. Quem neste mundo é mais bela e sedutora do que eu? – brincou a mulher, deslizando as mãos pela fina lingerie púrpura, de frente ao enorme espelho de moldura prateada. Fernanda possuía um belo corpo, seios fartos, ventre delgado, coxas esguias. Possuía também lábios fartos e rubros, pele pálida e delicada, olhos turquesa e longos cabelos negros, que caiam como ondas em seu fino rosto.
Voltou-se de frente para o criado-mudo, de onde pegou um pequeno portarretrato de vidro, que trazia consigo a foto de um homem de cabelos castanhos, pele branca, olhos mel e um enorme e aconchegante sorriso.
-Douglas... - sussurrou a mulher, beijando a foto logo em seguida.
Douglas e ela estavam tendo um caso. Ele era casado, possuía duas filhas lindas e amigáveis, para as quais Fernanda fora apresentada como colega de trabalho.
De certa forma ela invejava a mulher dele. Ela deveria ser sua mulher, era com ela que ele deveria ter suas filhas. Seria uma mãe melhor...
Mas por outro lado, ela adorava mentir, enganar e esconder, vivendo eternamente o jogo da traição.
Passou a mão pelo cabelo, prendendo uma parte atrás da orelha. Recolocou o portarretrato no lugar e deitou-se em sua confortável cama, cobrindo-se com o enorme edredom e apagando a luz, pelo interruptor que havia ao lado da cama. Pensou um pouco mais no homem, até que cerrou os olhos e permitiu-se dormir.
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Em seu sonho, ela chamava seu amado incansavelmente. Estava em uma densa floresta, à noite, e não conseguia ver nada além da escuridão, mas sabia que ele estava ali. Sua respiração era pesada, como se tivesse com uma profunda dificuldade para puxar o ar, talvez porque estivera correndo em busca de uma saída. Ainda trajava sua lingerie, e, devido a isso, todo o seu corpo tremia de frio.
Não se passou muito tempo até que ela avistasse uma pequena iluminação, vinda de alguns metros à sua frente. A luz movia-se em forma circular, como se alguém estivesse segurando-a enquanto andava. Sem pensar duas vezes, correu até ela.
Tomando todo o cuidado para não tropeçar em alguma raiz ou pisar em algum buraco, se aproximou silenciosamente, notando que a movimentação era proveniente de uma mulher que andava em círculos ao redor de alguém que estava deitado.
Por entre algumas árvores, ela viu Clara, a esposa de Douglas. Em uma das mãos, a mulher segurava uma pequena vela. Na outra, uma adaga pendia ensangüentada, manchando sua calça com o rubor do liquido.
Deitado no chão, o corpo de seu marido jazia inerte. Seus olhos vidrados estavam fixados no local onde Fernanda se encontrava, expressando a mais pura dor e medo, como se ele soubesse que ela viria. Mas sua mulher também a esperava.
Sorrindo, ela virou-se em direção a Fernanda. A raiva e o ódio estavam estampados em sua face, coisa que a amante percebeu antes de começar a correr. Quando deu por si, Clara estava atrás dela, e ambas corriam pela floresta adentro. A vela havia sido deixada para trás, abandonando tudo na escuridão, como antes. Sem enxergar nada, ela tropeçou em alguma coisa, acordando antes mesmo de se chocar com a terra úmida.
Quando abriu os olhos, estava de volta em seu quarto. A respiração ofegante demorou um pouco a estabilizar, mas agora não havia perigo. A luz da lua entrava pela fresta da janela, iluminando parte de seu rosto e de seu quarto. Ergueu a mão para acender a luz mas ela não se movimentou mais do que alguns centímetros: estava presa, amarrada à cama.
Ao lado de seu espelho, alguém riu de sua angustia. Estava parado, encoberto na mais pura escuridão, esperando que ela acordasse.
- Quem é você? – perguntou a amante, aflita.
- Tsc, tsc, tsc... Você não esperava por isso, não é? – falou uma voz feminina, ironicamente. A pessoa deu um passo à frente, abandonando as sombras e revelando-se no brilho do luar.
Era Clara. Agora, ela trajava um manto negro que descia deliciadamente até seu calcanhar, moldando e valorizando todas as belas curvas de seu corpo. Os cabelos ruivos caiam até os ombros, cobertos por um grande capuz. Mesmo sem maquiagem, o rosto da mulher era belo, isso Fernanda jamais poderia negar. Nem mesmo em uma sitação daquelas. Uma de suas mãos estava estendida ao lado do corpo, com a palma para cima. Sobre ela, um punhal se equilibrava sobrenaturalmente, sem ao menos tocar a pele de sua dona.
- Você tem ideia do que me fez passar, sua vadia asquerosa? – sussurrou a mulher, como se xingar ofendesse-a mais do que a sua rival.
Fernanda remexia-se na cama, tentando achar uma forma de se desamarrar. Seu coração batia cada vez mais rápido, como se fosse pular por sua garganta.
- Imagino que você tenha sonhado comigo, não é? – riu ela – Pela sua cara, creio que já viu o que eu fiz com meu querido marido. E sabe que você não escapará, não é?
- Vo... Você não precisa fazer isso – choramingou a amante, com medo – P... Por favor, me deixe ir, eu te imploro.
- Mas é claro que não. Você tem idéia do que eu fiz? Eu tirei-o da lama, eu dei a vida que ele sempre quis. Através de mim ele subiu na vida, conquistou dinheiro e fama. E então ele acha que eu nunca saberia se ele me traísse com qualquer vadia? E VOCE DESTRUIU TUDO! –gritou, fazendo o punhal girar cada vez mais rápido em sua mão – Ah, mas tudo ai acabar agora. Vai sim.
Fernanda encarava o punhal, aterrorizada. Era impossível que ele estivesse ali, flutuando. Mas a mulher iria matá-la com ele, disso tinha quase certeza. Ela nunca conhecera Clara, mas sabia como a mulher era insistente e segura de si. Nunca ninguém jamais deveria ter cruzado seu caminho, até que ela o fez.
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- Você acha mesmo que eu vou vir aqui e te esfaquear? Para que as suspeitas recaiam sobre o meu marido, agora morto, e de quem você, gentilmente, mantém uma fotografia? Acha que eu seria tão estúpida? Eu tenho uma idéia melhor... – disse ela, como se lesse os pensamentos da amante.
A mulher encarou o punhal por um momento, enquanto Fernanda tentava soltar-se das amarras, sem tirar os olhos de Clara. O objeto pareceu derreter, ficando cada vez mais flexível. Em sua base, uma cabeça começou a se formar, dando origem a uma enorme mamba negra, que rapidamente se enroscou no braço de sua dona, fazendo-a sorrir maleficamente.
Ao ver a serpente, a amante se desesperou. Lembrou-se de quando era criança, quando uma cobra a atacara, resultando em uma crise de pânico que a fez temer esses seres por toda a vida. As lagrimas escorriam de seus olhos, enquanto suplicava por perdão.
Clara caminhou até a cama, depositando a cobra aos pés de sua rival, ignorando seus gritos e suas súplicas. Depois, dirigiu-se ao criado mudo, de onde pegou o portarretrato e guardou-o em um dos bolsos de seu manto. Feito isso, despediu-se de Fernanda com um breve beijo em seus lábios.
- Agora você vai aprender que ser uma amante também tem suas desvantagens – disse ela, enquanto caminhada de volta a escuridão, desaparecendo logo em seguida.
O desespero de Fernanda logo fez com que a cobra a considerasse uma ameaça, atacando-a em sua coxa.
Enquanto o veneno se espalhava rapidamente por seu corpo, Fernanda pode senti-lo atravessar veias e artérias. Tentou mais uma vez se soltar, acarretando em mais uma mordida. Sozinha, a única coisa que conseguiu fazer foi se lamentar, enquanto sua vida a abandonava. Mas era tarde, muito tarde.
-Fim-